No caminho de casa encontrei um portão, ao
entrar nele havia um sítio. Lá, uma profusão de plantas e, entre elas, um
conhecedor da flora. Dentro desse homem descobri um mundo. Seu nome
era Pablo. Apesar do nome espanhol, sua fala tinha prosa de sertão baiano. Nos
olhos, alegria de menino ao revelar seu universo natural. Mantive ouvidos
abertos e aprendi sobre cada nome de planta, o tamanho que alcançavam, as
afinidades, suas naturezas, das solares às apegadas à sombra. Entrei num tempo
mítico, desacelerei diante daquele conhecimento oral. Ouvi histórias passadas
de uma geração a outra. Pensei nos descendentes daquele homem. Passariam eles à
frente esse conhecimento? Manteriam
essas memórias vivas?
Lembrei
do livro Cem Anos de Solidão, no qual a peste da insônia invadiu um vilarejo e
o que parecia interessante, inicialmente, resultou na perda dessas
memórias. Na história, o personagem Aureliano resolve anotar os nomes dos
objetos de seu laboratório em papéis e decide pregá-los nas peças. “Não lhe
ocorreu que aquela fosse a primeira manifestação do esquecimento”. Ensina o
método também ao seu pai, José Arcadio Buendía, e aos demais moradores, mas aos
poucos eles também se esquecem por que colocaram papéis nos objetos e nos
móveis. Gabriel García Márquez homenageia assim a própria tarefa da escrita, a
perpetuação da memória, deixando-nos a reflexão de que podemos perder o porquê
de os livros existirem se não mantivermos o exercício de lê-los. Um livro
fechado é um universo não descoberto. Quando parei para ouvir Pablo, permiti
que ele se abrisse como um homem-livro.
Século
passado, inspirados certamente por folcloristas e pesquisadores em outros
países, Silvio Romero, Câmara Cascudo, entre outros, mapearam o Brasil em busca
desses homens e mulheres-livros, coletaram muitos contos orais e os
transpuseram para texto escrito. O trabalho continua na atualidade por
pesquisadores como Marco Haurélio. A busca pela permanência da memória é incessante.
Agora, enfrentamos fora da ficção uma peste chamada “coronavírus”, que ameaça
com furor a nossa memória, colhendo de maneira voraz nosso conhecimento
ancestral, tirando a respiração e o oxigênio nutridor dos cérebros idosos do
mundo. Uma perda incalculável para a história da humanidade. Os escritores,
acredito, se veem inundados com o desejo de registrar seus ensaios, contos,
poesias. Porém, o que acontecerá se o mundo desaprender a abrir o livro,
a virar a página, a deixar de produzir literatura, a registrar a arte no
papel? Se os conhecedores da natureza e os narradores orais
desaparecerem?