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sábado, 6 de fevereiro de 2021



Se não for feliz em casa, onde mais posso ser? Despertei com essa questão hoje. Coloquei uma música suave, fui à cozinha, preparei meu café. Gosto de beber sempre na mesma xícara. A porcelana veio da fundação de Frida Kahlo. Lembrei da artista e seu caminho. Ela evidenciou em sua arte sua biografia, sua etnia, seu amor ao México. Estaria ela exibindo, ou vivendo sua casa? Era mais feliz ao fazê-lo? 

Terminei meu café, e passei lentamente a lavar os utensílios, ouço o som da água misturar-se as notas musicais. Meus pensamentos ficaram suspensos. O prazer da água, o barulho da louça. Aos poucos guardei os vasilhames, organizei. Meus pensamentos organizam-se junto. Respirei nesse movimento, devagar. Lembrei de Frida,  li que ela sentia muitas dores por causa do acidente que teve na juventude. Será que ela tinha algum prazer em arrumar suas gavetas, será que conseguia fazer algo tão corriqueiro e ao mesmo tempo tão profundo? Será que se organizava com os pincéis que movia? Não vi nada escrito nas biografias que li a seu respeito. 

A música me aterra. Estou no presente. Guardo sobre a bancada da pia, um pequeno azulejo de Pernambuco, uma xilogravura retrata o sertão. A figura leva-me a infância, a Jequié. Lembro de Seu Sergio, um vizinho querido, e seu atelier, onde tratava o couro, e fazia as selas, os chapéus, as sandálias e todos os pertences do boiadeiro. Fecho os olhos e sinto o cheiro daquele ambiente. Ganhava sempre restos de couro curtido e tentava fazer, sem sucesso,  sandálias. Como Frida, essa cultura que faz parte de minha infância, retorna na minha escrita, em minha arte. Tudo isso faz parte de minha casa, de minha personalidade, do meu país, sinto-me brasileira. Inquieta-me à busca de minha raízes. Apenas favorecer um ramo? Não sou somente europeia, ou africana, ou indígena, sou a mistura de todas elas, sou a história de mais quinhentos anos de um país, sou várias anas e várias marias. Como muitas mulheres que habitam esse país. Muitas casas, diversos elementos. Grãos de diferentes tons , formando uma faixa única de areia, numa casa chamada Brasil. Terminei de arrumar a cozinha, fiz mais um café e bebi.

Ana Paula Mira, escritora.

#anapaulamiraautora @ana.paula.mira


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