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sábado, 20 de fevereiro de 2021

O Carnaval , O Poeta e o Passarinho.









Era terça de carnaval, e eu vi, eu juro! O silêncio pulava na Praça do Poeta. E se vendo sozinho, expandiu-se e preencheu tudo. O Poeta observava aquele vazio. Se voltasse  a vida, podia quem sabe, encher o espaço de palavras. Assim, entre um pulo e outro do silêncio, ouviríamos vozes alegres cantar. Eu podia sim colocar, um grito de viva, soprar uma palavra de serpentina, colocar purpurinas, refletiu a estátua. Faria versos e a música tomaria conta da praça. Porém, por mais que tenta-se, o poeta não mexia um dedo, o corpo preso no metal. Um passarinho sentou no ombro da estátua e cantou: o carnaval saiu em férias e não sabe se volta. O Poeta queria o barulho de volta, a multidão dançando, aquele empurra, empurra e os trios passando. E o passarinho ainda completou - o silêncio quer tudo para ele, seu teatro também emudeceu. Nem seus versos ecoam mais.  O Poeta estava revoltado com essa notícia e não adiantava, não podia se mexer. O passarinho estava na verdade bem contente, era aliado do silêncio, agora o povo de Salvador podia ouvir melhor sua cantoria, confessou. 
      E conto essa história para confessar também que se as pessoas ficam em casa, o silêncio me permite escrever mais. Dessa pandemia procuro retirar os ganhos e não somente as perdas que tive. Aproveitar a companhia de minha filha é uma delas. A insatisfação leva a  vazios, a procurar culpados, a revolta. Existe uma barreira de incertezas atravessando o mundo e aprendi que viver um segundo após o outro, nesse momento, economiza energia para que eu não me esgote. Há um caminho longo a percorrer. Não sabemos se um dia o carnaval voltará, se as escolas como conhecemos voltarão, se as festas de largo também. Precisamos descobrir outras formas de nos entreter nessa viagem. Somos tão criativos, precisamos sair da inércia, não procurando o passado, esse, não existe mais. Criemos novas formas, vivendo cada dia como único. Virar a página, criar palavras novas, preencher o silêncio e fazer uma canção mais humana. 


O Sal da Terra- Beto Guedes



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