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domingo, 16 de maio de 2021

Tempo de Silêncios





Despertei, era estranho o silêncio. Nenhuma buzina, nem mesmo um cacarejar vinha de minha rua, nem os miados de meus gatos se manifestavam como de costume, buscando alimento. O dia cinzento, janelas cerradas e nenhum trabalhador a martelar paredes. Nos últimos dias, uma reforma conduzia barulhos que eu tentava em vão reconhecer, guinchos, metais, zumbidos, batidas. Tudo tão alto que pensar tornou-se custoso. Barulho igual faz as redes sociais nas mesmas semanas, pela morte de pessoas populares, um choro que atravessa limites, invade cidades. Decerto que na casa onde uma pessoa partiu esse silêncio chega à noite, o corpo não existe para habitar seu leito, um vazio ocupa. Dor. Pausa. Qual palavra quebrará esse silêncio e será usada para dizer às crianças: teu pai partiu, ou tua mãe partiu, ou teu avô ou seu tio?


A voz calou-se criança, o verbo retornou à sua origem, a palavra agora está no princípio. Tem de buscar um outro barulho, um violino talvez. Leia Manoel de Barros, ele sabe despertar silêncios. Os poetas trazem sentimentos e sabem
contemplar o som do mundo; te ensinarão a buscar uma música para entender a vida que partiu. 418 mil  mortos, são tantos corpos silenciados, transformados em números desumanizados, no intuito de minimizar a tragédia de tantas casas, a mudez de tantas famílias.  O barulho recomeçou agora, ele me alenta, reconheço a vida presente nos movimentos e ações dos homens, à noite eles retornaram às suas casas, às suas famílias. O galo parece sentir o mesmo e
começou a cantar, desperta e avisa: o dia iniciou, os verbos agitam as ações, o movimento aumenta, alguém retorna com o pão, cachorros levam os seus donos para passear. Meus gatos avisam que desejam atenção e a disputam com a caneta. Eles querem o fim do silêncio.

Ana Paula Mira, escritora.

#anapaulamiraautora @ana.paula.mira

 

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