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sábado, 29 de maio de 2021

Jornada Literária em Família

 


É preciso limpar a fonte”, não lembro bem onde ouvi essa frase. Acolho o sentido que ela traz. À noite, quando me preparo para dormir, tomo um banho quente, uso alfazema  e respondo ao chamado de minha filha. Nessa pandemia fortalecemos o hábito de ler em conjunto. Ela escolhe seu livro, lemos as jornadas de semideuses ambientadas na contemporaneidade, pelo autor americano Rick Riordan, a quem ela chama carinhosamente de Tio Rick —  aprendeu com outros fãs. Há dias que estou cansada e quero dormir, lendo outro livro. Vencida pelos argumentos de minha filha, digo sim. 

Faço isso pensando que, um dia, quando ela olhar para trás, lembrará que fomos pais presentes, que a escutavámos e partilhavámos suas alegrias. Nessa pandemia a troca entre parceiros da mesma idade nem sempre é possível, ou ocorre pelas telas. Isso me traz melancolia. O calor familiar nutre, porém sei que não é o suficiente; nossos filhos precisam de companheiros, dos seus pares. Nas jornadas dos deuses que ela tanto ama, estão presentes os conflitos das relações, as amizades, as traições, acordos e desacordos. O ciúme, a inveja, a lealdade, o amor, as paixões, a busca por um sentido. As relações familiares, os encontros e desencontros. Na presença, a vida acontece, as experiências são vividas. Nesse primeiro momento optamos por manter o ensino remoto, nosso país tarda a cobertura vacinal adequada. O pedido partiu dela para se manter em casa, nós a respeitamos, e ainda temo a doença, confesso. 

Os livros estão nos levando para um gosto em comum: a mitologia, nesse caso, a grega. Os deuses e suas histórias refletem a própria humanidade, qualidades e defeitos. Aprendemos juntos sobre Atenas, Zeus, Poseidon, Hades, Hera, Hermes, Ares, Hestia, Hefesto, Titãs, entre outros. Algo em comum nos aproxima, isso é bom, pois a adolescência é um momento de afastamento, de estabelecimento da individualidade, que é importante.

 Acabamos os cinco primeiros livros e vimos neles como pensamentos polarizados levam não somente a barreiras nos diálogos, mas à guerra e a mortes. Algo semelhante ao que vem ocorrendo na atualidade, com a manipulação da verdade nas redes sociais, levando à  polarização,  estabelecendo barreiras quase intransponíveis na nossa sociedade, abrindo possibilidades de guerras civis. Livros direcionados a um público juvenil, literatura para todas as idades. Começamos outra série do mesmo autor. Minha filha percebeu a diferença nas duas narrativas. “Mamãe, esse livro, ele fala na terceira pessoa, agora entendi por que estranhei, na outra série o herói é que é o narrador!”.  É na leitura que se faz o leitor. E vamos renovando a fonte, são novos leitores que chegam.

Ana Paula Mira, escritora.

#anapaulamiraautora @ana.paula.mira

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