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sábado, 17 de julho de 2021

O Nascer de um Livro






Velas espalhadas pela mesa iluminavam as saudades. Pela claridade amarela, os olhos de uma tocadora avistaram o violão na parede. O objeto deixou de ser enfeite, a moça retirou dele acordes. A música tomou conta da sala, vozes foram despertadas e as pessoas presentes cantaram o sertão. A escritora folheava o livro
Sertanilia, de Elomar Figueira. A música também era do mesmo autor. Ela cantou os versos, enquanto se lembrava de sua infância: as brincadeiras na mata branca, que provocavam arranhões, a colhida dos tomates silvestres pra fazer comidinhas. O cascalho, as pedras empilhadas, criavam mundos, cidades. Os umbuzeiros no verão, onde subia e descobria o mundo, as chuvas do período que traziam a lama, os córregos, a alegria. Mais tarde, em casa, a escritora trouxe esse momento mítico para o companheiro ilustrador. Eles partilharam suas lembranças, sua memória crianceira e criaram. Ela rabiscou no seu caderno as primeiras frases. Ele escolheu a prancheta e escreveu suas lembranças em desenhos. Todos os dias, ouviam Elomar e Cordel do Fogo Encantado. A casa encheu-se de sons de mata, periquitos, sabiás, curiós, azulão. Por mais curioso que fosse, encontraram na cidade grande um pé de araçá florido e acompanharam a transformação das flores em frutos. Fizeram questão de esperar eles amadurecerem, assim como amadureciam suas ideais criativas e provaram do fruto. Tiveram, então, a certeza: iria ser um livro. Um livro para crianças. Leo e Lua era gerado. Lembraram-se de que na infância, um dia, os meninos e meninas deixaram de ficar misturados. Os meninos só viviam pendurados nas árvores, correndo nos campos; as meninas seguiam colhendo os frutos, fazendo comidinhas e ganhando vestidos que não podiam amassar. No livro, eles se encontrariam e seria a chuva quem os uniria nas brincadeiras infantis. E provariam juntos o araçá e criariam juntos coisas incríveis. O sol e a lua se encontrariam como iguais. Chamaram uma designer que com seu toque mágico organizou esse encontro. 

Um violão, um cantador entoou os acordes do sertão trazendo a luz de Leo e Lua, enfim, para o mundo. Nesse dia havia gente de todo canto do Brasil e gente além dessas fronteiras. A escritora chorou, o ilustrador se emocionou. 

Na casa, tocou a campainha, o som estridente tomou conta do local. Era o carteiro, entregou um envelope à mãe, que passou ao marido, que passou à avó, que entregou à menina, que não segurou o grito. O envelope foi rasgado, depois o embrulho, e ela encontrou o livro.


- É meu?

- Sim, é seu.

- E o que está escrito, vó? Lê pra mim.

- Leo e Lua, querida.


Ana Paula Mira, escritora.

#anapaulamiraautora @ana.paula.mira

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