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sábado, 3 de julho de 2021





Pego a caixa de madeira. Ela fica no fundo da gaveta em minha cabeceira, descansa sem uso há quase dois anos. Às vezes a abro e olho seu interno. Passeio com meus dedos pelas fitas coloridas de cetim, pelas linhas de diversas cores, pelas flores para aplicações, pelos restos de chita. Esse mês de junho ela permanece sem ser usada. Desde que tive minha filha, uso essa caixa para armazenar as fitas e material de costura. Ela contém afeto das festas juninas desde que minha filha tinha um ano. Guardo os registros dos vários laços e enfeites que fiz para lhe trazer colorido nas festas de São João. Assim, passo para outra geração o amor por nossa cultura. Na adolescência que inicia os gostos mudam. Por um tempo, acredito que poderá até negar esse costume, mas os sons, as cantigas, um dia serão âncora de sentimentos amorosos. As festas juninas que fervem por todo o nosso Nordeste, aquecendo o frio de inverno e celebrando seu início, têm nascimento muito antigo e um tanto incerto. Têm reminiscências ibéricas, lembram as queimas das fogueiras de Beltane pelos povos celtas, bebem em fontes galesas, mas podem ter também relações com a Índia. Em cada cidade desse enorme sertão, a festa foi ganhando aspectos próprios, rodas de forró, quadrilhas, padrinhos e madrinhas de fogueira, casamentos matutos, pau de sebo, quebra-pote, cabra-cega, ritmos  e danças como xaxado, xote, baião. Fogos coloridos, guerra de espada. Alguns costumes hoje proibidos para evitar desastres ambientais, como os balões, são preservados nas músicas. A comida junina ganhou espaço por todo território nacional com a canjica, a pamonha, o amendoim cozido, a paçoca, o doce de jenipapo, os diversos licores e o quentão. A tradição é marcada pelas roupas feitas de chita, as fitas enfeitando os cabelos, os chapéus de palha e os lenços. Uma cultura que brinca com todos os nossos sentidos: visual, auditivo, sinestésico. Memórias afetivas de muitas infâncias. Ouço então estrofes conhecidas, é o Luiz Gonzaga que canta:  “Olha pro céu, meu amor, veja como ele está lindo/ olha pra’quele balão multicor/ Que no céu vai sumindo...”. Será, seu Luiz, que nosso São João pode sumir? E Luiz me responde: “Foi numa noite/ Igual a esta/ Que tu me deste/ O teu coração/ O céu estava/ Todinho em festa/ Pois era noite de São João/ Havia balões no ar/ Xote e baião no salão/ E no terreiro o seu olhar/ Que incendiou meu coração”. Será que Luiz quis dizer que o São João é um amor sem volta? Breve, breve, Luiz, essa caixa será usada novamente, lhe prometo.

Ana Paula Mira, escritora.

#anapaulamiraautora @ana.paula.mira

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