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sábado, 6 de março de 2021

Mitologia à Moda da Casa

 



Ponho a mesa para meu lanche da manhã. Sorvo café espiando as copas das árvores. Um ritual amoroso comigo quando estou em casa. Esvazio-me de ansiedades assim.  Hoje minha filha veio me fazer companhia. Conversa com a velocidade do relâmpago, empolgada com a série de livros que está lendo. Atropela-se nas palavras e eu entendo pouco do relato. Peço que fale mais devagar. Acaba por contar quase todo o conteúdo, tirando-me a surpresa de uma leitura futura. Sorrio constatando isso. Procuro no aguaceiro de palavras algo que nos conecte. O assunto por trás dos livros que ela devora atualmente se baseia na mitologia grega. No primeiro livro que leu, Percy Jackson e o L
adrão de Raios
, de Rick Riordan, caiu de paixão pelos personagens e pelo escritor. A temática também me fascina. Isso é bom, a adolescência vai trazendo outros assuntos diferentes do interesse dos pais, abre brechas nas relações. É a busca pela própria identidade. Lembro do mito de Deméter, a deusa da fertilidade, e de sua filha Perséfone, e pergunto se em algum momento isso está nos livros. Ela diz que sim. Pergunto se ela sabe como Perséfone casou-se com Hades, o deus do mundo subterrâneo. Com sua negativa, começo meu relato. Acontece que Perséfone era a única filha de Deméter, a mãe lhe tinha muito amor. Crescida, Perséfone foi passear com as ninfas nos jardins do Olimpo. Quando estava com a Ninfa Siena, apareceu Hades, que encantado com Perséfone, a raptou. Temendo que Siena contasse o que aconteceu, já que esta era fiel a Perséfone, o deus do submundo a transformou em uma fonte de água, ficando somente o cinto da deusa boiando sobre ela.

Percebendo o desaparecimento de sua filha, Deméter desespera-se. Ronda todo o globo terrestre e não a encontra em lugar algum.  Por último, encontra o cinto da jovem deusa,  boiando na fonte da ninfa Siena e entende o que aconteceu. Informa a todos que tirará da terra toda a fertilidade e só devolverá quando sua filha retornar. Zeus interfere, mas a filha da deusa somente ficará com sua mãe por seis meses, já que no submundo acabou comendo a romã, e comer do fruto do mundo de Hades significava estar presa ao subterrâneo eternamente. Esse mito explica as estações do ano. Eu o leio de outra forma nesse instante. Vejo nele a iniciação feminina, a menina que se torna mulher. Que se afasta da mãe para ter a sua própria identidade. Não adianta o choro materno. Uma vez iniciado o processo, não existe retorno ao ninho, não como antes. Vejo a despedida da infância e a chegada da adolescência, breve uma mulher surgirá. Lendo os mitos, vou me preparando. Ofereço à minha filha um pouco de minha refeição. Aproveito sua presença agora. Peço que me conte mais sobre os livros. Ela volta a falar empolgada. Eu a escuto.


Ana Paula Mira, escritora.

#anapaulamiraautora @ana.paula.mira

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