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domingo, 29 de agosto de 2021

Bebês de um Mundo Novo

    







Embaracei esta manhã em um pé-bebê de Araçá. Eu estava em seu caminho, distraída fui envolvida por seus galhos,  pedi desculpas tocando-lhe os frutos. Suspirei e lembrei-me de outros bebês, os da minha família, nasceram nesses tempos pandêmicos. Eles habitam seus pequenos núcleos nesse distanciamento necessário, vejo-os crescer pelas telas tecnológicas, os parabéns cantamos em encontros virtuais. De minha casa, cercada por meus gatos, plantas, livros e minha família, vou diluindo essa saudade. Às vezes, encontro-os de longe, sem tocá-los. Na rapidez da aprendizagem desses pequenos seres, eles respondem e reconhecem nossas faces.  Construo para eles versos e livros artesanais, leio as histórias, mostro as imagens e vamos interagindo. Viajo na irrealidade do cotidiano, citando Umberto Eco. Assim, esta semana, abri uma tela para uma escola em Ipiaú, no Sudoeste da Bahia, e, virtualmente, fui até uma sala de aula de crianças da terceira série. Eles em fila indiana, ansiosos pela presença de autores, perguntavam sobre  nosso livro. Queriam saber sobre a escolha do nome Leo e Lua, sobre minha origem na cidade vizinha, Jequié, sobre as ilustrações, sobre a quantidade de palavras no livro. Respondi uma a uma. A representação do céu e da lua do sertão, as quatrocentas palavras do livro; conversamos sobre Jequié e descobri vários pequenos conterrâneos. Um apresentou seu livro sobre elementares com seus desenhos, e as explicações confidenciaram desejos, como ter uma caixa de lápis com cinquenta cores. Surpreenderam-me com perguntas sobre os personagens não ter cores, emocionaram-me. Vejo-os adaptados a conversar por tela e eu ainda em adaptação. Como são incríveis os seres jovens na sua predisposição a  reorganizar seu modo de dança no mundo. Aquele pé de Araçá se adaptou crescendo num espaço onde carros estão estacionados e consegue dar frutos. Sim, eles estavam de máscaras, distanciados, com o olhar primeiro, o olhar ao novo de criança mantido, a empolgação, a emoção no encontro. A criança, sempre um poeta em sua natureza, nos ensinando tanto. Quero esse olhar primevo da infância, essa disposição à descoberta, ao aprendizado, ao descortinar esse novo mundo.


Ana Paula Mira

Escritora


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