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sábado, 7 de agosto de 2021

Papel Tem Cheiro de Infância

 






Nessa manhã, minha mesa comporta diversos papéis de  várias gramaturas e cores, arrumados em cadernos pautados, de esboço, ou soltos como os destinados à pintura. Observo os coloridos para as dobraduras, deles  ouço as minhas memórias: a campainha de minha escola infantil, minhas mãos de criança tateando a sacola em busca de um copo que não encontra. Vejo-me pegando uma folha de caderno, dobrando-a e dela obtendo o utensílio desejado. Corro ao bebedouro, fico salva da sede.  O papel sempre foi para mim algo mágico, onde as imagens podiam ser manifestadas  como letras ou linhas com ou sem formas. Era de onde extraía os barcos de papel que flutuavam nas correntes e nas barragens que produzíamos após uma chuva. Minhas irmãs e eu. Lembro-me de uma grande caixa de papel que veio embalando nossa geladeira. Minha mãe nos propôs transformá-la em uma casa, brincamos dias; alguém trouxe uma menor, minha mãe a acoplou à outra e nossa casa ganhou cômodo. Dias alegres aqueles com as caixas de papelão.

Minha tia-avó, Tidinha,  costumava, quando jovem, usar moldes vazados de papel para pintar. Eu costumava pendurar na borda da mesa e ver seus pincéis preenchendo os vazios do molde, fazendo surgir nos tecidos diversos desenhos. Quando suas tintas estavam perto do fim ela me presenteava com elas. Que felicidade para mim! Eu aproveitava todos os espaços e papéis possíveis e pintava meu mundo. Na minha adolescência  começamos a fabricar nosso próprio papel, a reaproveitar as sobras e criar. Gostaria de voltar a essa atividade. Recebíamos cartas de queridos naqueles papéis reciclados, resgatávamos naquilo milênios de aprendizados, impregnados dos primeiros descobridores, chineses, italianos entre tantos outros.

 

Quando minha filha era pequena, sempre havia em minha bolsa caderno e giz cera. Quando íamos a um ambiente adulto, ela não ficava só, eu me debruçava com ela criando personagens, realizando teatro com os dedos, inventando histórias, colorindo. Alguns adultos acabavam aderindo ao movimento, deixando vir sua criança de outrora. Foi assim que comecei aos poucos a voltar a desenhar e a escrever para a infância. Um exercício parecido com o de vários outros escritores. Um dia ouvi um colega dizer que a diferença entre um artista e outras pessoas é que todos começam uma arte na infância, os que não param é que se tornam artistas. O processo da arte é contínuo, o realizar é o que importa. O produto? Uma consequência. Eu continuo a brincar com papéis, a sentir suas texturas e preenchê-los com pensamentos, ideias, palavras, cores. Gosto também de cortá-los e dar outros formatos, ou dobrá-los e transformá-los em livros artesanais, ou de criar os moldes de um livro.  Assim espalho o prazer pelo objeto para outras pessoas. 


Ana Paula Mira, escritora.

Instagram: @ana.paula.mira






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