A louça branca
reflete as cores da paleta de aquarela que pintei esta semana: azul,
ocre, verde e nanquim. O objeto reflete uma pequena memória. Penso que os
objetos são baús de conjuntos de história. Recordo que a ideia de misturar
pigmentos e água para criar desenhos surgiu no Egito, mas suas características
ganharam forma há dois mil anos na China, foram abraçadas pelo Japão, Índia,
Europa e chegaram até nós pelos portugueses. As obras de arte são
cápsulas do tempo que contam as histórias da humanidade: gravuras, quadros,
estátuas, painéis, cerâmicas, livros, esculturas, cinema. Melancólica,
lembro-me do fogo que abraçou a cinemateca esta semana, não o fogo da criação,
mas da destruição de nossa cultura. Registros de pensamentos, costumes, ideias,
imagens, se foram. Temos agora nossa biblioteca de Alexandria, uma
biblioteca de filmes queimados. Gostaria que fosse o fogo que transforma,
que preservou as placas cuneiformes feitas de argila da Mesopotâmia,
descobertas no século XIX, e que nos revelou o mito de origem Sumério de
Gilgamesh. Nossa memória ainda está sendo consumida de outra forma pela
epidemia. Tantos artistas, tantos saberes se foram precocemente. Nas Palavras
de Jade, trouxe essa inquietação sobre a preservação da memória. A personagem ganhou
um baú de seu avô, onde guarda sua coleção de palavras. Um dia, Jade perde
essas palavras, fica desolada. Hoje, os brasileiros que sabem a importância da
cultura estão como essa personagem, sentindo-se órfãos. Jade resolveu seu
problema, a história teve um final feliz. Gostaria de ser o autor da realidade
e fazer o tempo voltar, criar seres que cuidassem da arte como uma personagem
apaixonada por seu baú. Mas eu não sou o criador dessa história. Olho minhas
tintas, objetos de arte, e me pergunto: o que ficará para o futuro? O que
restará de nossa arte, de nossas memórias?
domingo, 1 de agosto de 2021
Cápsulas do Tempo
#anapaulamiraautora @ana.paula.mira
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