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domingo, 1 de agosto de 2021

Cápsulas do Tempo




A louça branca reflete as cores da paleta de aquarela que pintei esta semana:  azul, ocre, verde e nanquim. O objeto reflete uma pequena memória. Penso que os objetos são baús de conjuntos de história. Recordo que a ideia de misturar pigmentos e água para criar desenhos surgiu no Egito, mas suas características ganharam forma há dois mil anos na China, foram abraçadas pelo Japão, Índia, Europa e  chegaram até nós pelos portugueses.  As obras de arte são cápsulas do tempo que contam as histórias da humanidade: gravuras, quadros, estátuas, painéis, cerâmicas, livros, esculturas, cinema. Melancólica, lembro-me do fogo que abraçou a cinemateca esta semana, não o fogo da criação, mas da destruição de nossa cultura. Registros de pensamentos, costumes, ideias, imagens, se foram. Temos agora nossa  biblioteca de Alexandria, uma biblioteca de filmes queimados. Gostaria que fosse o fogo que transforma,  que preservou as placas cuneiformes feitas de argila da Mesopotâmia, descobertas no século XIX, e que nos revelou o mito de origem Sumério de Gilgamesh. Nossa memória ainda está sendo consumida de outra forma pela epidemia. Tantos artistas, tantos saberes se foram precocemente. Nas Palavras de Jade, trouxe essa inquietação sobre a preservação da memória. A personagem ganhou um baú de seu avô, onde guarda sua coleção de palavras. Um dia, Jade perde essas palavras, fica desolada. Hoje, os brasileiros que sabem a importância da cultura estão como essa personagem, sentindo-se órfãos. Jade resolveu seu problema, a história teve um final feliz. Gostaria de ser o autor da realidade e fazer o tempo voltar, criar seres que cuidassem da arte como uma personagem apaixonada por seu baú. Mas eu não sou o criador dessa história. Olho minhas tintas, objetos de arte, e me pergunto: o que ficará para o futuro? O que restará de nossa arte, de nossas memórias?

 ____________________________ ______________________   Ana Paula Mira, escritora.


#anapaulamiraautora @ana.paula.mira

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